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entrevista publicada no site portal design brasil, por juan saavedra, em outubro de 2006

Vice-presidente do Icograda (International Council of Graphic Design Associations), pela segunda gestão, Ruth Klotzel é a primeira representente do Brasil na instituição. Ela é co-fundadora da ADG Brasil (Associação dos Designers Gráficos), onde atuou por quatro gestões.

Ruth Klotzel dirige o escritório de design Estúdio Infinito e é professora em duas instituições de ensino: Faculdade de Arquitetura da Fundação Armando Álvares Penteado e Faculdade Senac de Comunicação e Artes. Graduou-se pela faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1982, e trabalha como designer gráfica em projetos da iniciativa pública e privada, e também com educação.

Confira e entrevista de Ruh Klotzel ao DesignBrasil, concedida por e-mail.

DesignBrasil – Desde quando você está no Icograda?
Ruth Klotzel – Estou mais próxima do Icograda desde 2001, quando fui representar a ADG/Brasil no Icograda Design Week de Havana, Cuba. Esta é minha segunda gestão como vice-presidente. Fui eleita em Nagoya em 2003 e reeleita em Copenhagen em 2005.

DesignBrasil – Qual é a sua função como vice-presidente e que trabalho vem sendo realizado ao longo de sua gestão?
Ruth Klotzel – O Icograda hoje tem cinco vice-presidentes. A intenção é que cada um, dentro de suas afinidades (educação, políticas culturais, etc) seja representante do Icograda em sua região. Por isso os vice-presidentes são de continentes diferentes. Como a América Latina ainda tem participação pequena no Icograda (apenas Brasil, Cuba e México têm Associações-membro), comparada a outras regiões, meu papel principal é de estabelecer uma rede de relações com os diversos paises latino-americanos. Já temos ótimos resultados: uma rede de intercâmbio, que conta com pessoas e entidades do Brasil, Cuba, México, Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia, Argentina, El Salvador, Paraguai e Uruguai. Além da participação desses paises, estamos incrementando contatos com o Chile, Equador, Guatemala.

DesignBrasil – Para o design brasileiro, o que vem representando a presença de uma brasileira na direção do Icograda?
Ruth Klotzel – Eu acho que, acima de tudo, é o reconhecimento de que o Brasil é um país importante no panorama cultural e econômico mundial, apesar de estar em um momento muito delicado, de transição política, tentando encontrar um rumo sólido de desenvolvimento. Na verdade, tenho encontrado mais interesse e facilidade de comunicação com colegas de outros paises latino-americanos do que com os brasileiros. Sou a primeira brasileira a ocupar uma posição no board do Icograda e uma das poucas da América Latina, nos seus 43 anos de existência. Estou no segundo mandato na vice-presidência, pois fui reeleita, e assim mesmo nem recebo resposta muitas vezes que entro em contato com associações de design em outros estados do Brasil. Já dei palestra em vários países: Turquia, Hong Kong, Dinamarca, Rússia, mas quase nada no Brasil.

DesignBrasil – A que você atribui essa falta de reconhecimento aqui no Brasil?
Ruth Klotzel – Boa pergunta… Primeiro, ainda estamos nos organizando como categoria e temos muito o que conversar e compor, nos entender, internamente. Muitos não conhecem o Icograda e o que ele faz. Depois, acredito que haja um certo receio em assumir posturas e concordar com posições que vêm de fora. Já ouvi de uma colega de que não temos nada que aprender com os estrangeiros, que nossa realidade é outra e temos outra maneira de ser e de fazer. Cansamos de ser colonizados e às vezes assumimos a atitude burra de não enxergar que um dos grandes problemas do Brasil é de falta de gestão, é o fato de vivermos em constante instabilidade, fazendo-nos viver o dia-a-dia, com falta total de planejamento. A meu ver, podemos, sim, aprender com a experiência alheia, de quem tem uma expertise em gestão melhor que a nossa, e tentar não repetir o modelo; modificá-lo driblando os grandes erros. Da mesma maneira, temos muito o que ensinar em matéria de diversidade, de criatividade, de solução de problemas com poucos recursos. Há também a barreira idiomática: na América Latina poucos dominam o inglês e isto restringe nossa comunicação com o resto do mundo, refletindo inclusive na minha representabilidade, uma vez que há muitas informações e comunicações diretas, como fóruns de discussão, newsletters, etc em inglês, que dependem de participação de membros. Já consegui algum espaço em espanhol: no site e na formação de um fórum de discussão específico para paises de língua espanhola. Mesmo assim, para nós que falamos português, isso restringe um pouco.

DesignBrasil – Você foi co-fundadora e diretora da ADG/Brasil por quatro gestões. Que avanços você avalia como necessários para um maior reconhecimento da profissão no Brasil?
Ruth Klotzel – O maior avanço necessário, acredito, é a valorização do design pela iniciativa pública. É necessário garantir políticas públicas que contemplem o design. No Ministério da Cultura, por exemplo, o design aparece na categoria de Artes Visuais na formação de Câmaras Setoriais, o que é equivocado. Ainda não se compreendeu o papel do design, principalmente do design gráfico, como um importante agregador de valor ao produto da indústria nacional como um todo, seja na indústria cultural, seja na produção de bens de consumo. Alem disso, o designer é um agente cultural e não apenas um solucionador de problemas, contratado por alguém interessado em seus serviços.

DesignBrasil – O que pode ser feito para aumentar, no Brasil, essa percepção do papel do design? Quais são as suas propostas?
Ruth Klotzel – Já estamos tentando fazer isto há muito tempo e acho que já andamos para frente, porém devagar. No que diz respeito à moda e mobiliário a situação parece um pouco melhor do que em outros segmentos. Falando de design gráfico, que é minha área, a ADG/Brasil existe desde 1989, e realizou muitas coisas: as Bienais, publicações, palestras, debates, exposições e participou de comissões ligadas à Lei Rouanet, às Câmaras Setoriais, entre outras. Há também associações ou grupos regionais, como a Adegraf, de Brasília, a Apdesign, do Rio Grande do Sul. Estamos sempre dispostos a participar e tentar abrir espaços. O país é grande, o que dificulta um pouco o contato direto, e as iniciativas dependem de um esforço voluntário. Mas acho que está na hora de ter um reconhecimento por parte das instâncias governamentais. No Japão, por exemplo, na década de 1950, o governo investiu na formação de designers que foram enviados à Europa para aprender design e aplicá-lo à realidade de seu país. Hoje podemos dizer que o Japão é um dos poucos países do mundo que têm uma cultura sólida de design, onde o design é um grande gerador de divisas. O que podemos fazer no Brasil, a meu ver, é fortalecer as associações sensibilizando as pessoas para que participem e apóiem, nos mostrar presentes e conquistar espaços na mídia e respeito na iniciativa privada e pública. E nós, professores, devemos abordar esta questão nas escolas também. Não são só aspectos técnicos, científicos e criativos que devem ser considerados, mas também o nosso papel social.

DesignBrasil – Tramita na Câmara um projeto de lei que regulamenta a profissão de designer. Você é a favor da Regulamentação da atividade no Brasil? Por quê?
Ruth Klotzel – Esta é uma questão bastante delicada. Conversei com Alexandre Wollner e outros colegas a esse respeito e os designers em geral seriam a favor da regulamentação, mas não com o projeto que existe no momento. Este projeto não assume a designação de “designer” e confunde a nossa atividade com a de desenhista industrial. O artista, o desenhista e o designer são três figuras bem distintas. Além do mais, diante da falta de idade e de qualidade da maior parte das escolas de design brasileiras, como é que podemos afirmar que uma pessoa formada em uma dessas escolas é mais designer do que um autodidata? Podemos dizer que quem fez qualquer faculdade, por princípio está mais apto a exercer a profissão? Primeiramente devemos corrigir questões graves do ensino de design no Brasil. Senão, a regulamentação da profissão será só um ato de corporativismo, e não uma ação visando garantir a responsabilidade profissional do designer e a qualidade da atividade.

DesignBrasil – Em relação ao Brasil, como está o design gráfico no América Latina? Quais são as principais dificuldades e méritos nos países vizinhos?
Ruth Klotzel – Cada país tem uma situação peculiar. O ensino no Brasil e Argentina tem origens semelhantes. Ambos tiveram influência da escola alemã quando o design surge formalmente na década de 1950. Esta é uma polêmica que acirra ânimos, uma vez que outros consideram que as escolas de Artes e Ofícios é que trouxeram o design para cá. Já o México, por exemplo, tem uma tradição muito mais antiga, uma vez que a primeira tipografia já existia lá no século XVII. México e Bolívia, por exemplo, têm Bienais de cartazes. A Venezuela sedia mega eventos de design gráfico. Percebe-se uma efervescência nas atividades, porém ainda há um longo caminho a percorrer: há escolas de péssima qualidade despontando por todos os lados, não temos formação de professores adequada, existe uma confusão a respeito do que é design. Temos poucos bons palestrantes para representar-nos. A atividade de design na América Latina, que caminha muito ligada à produção industrial, obviamente que se desenvolve com mais força em paises mais modernos, ou onde a economia está mais sólida ou aquecida. Este é o caso do México, Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, além do Brasil. Cuba é um caso a parte e tem uma produção de design voltada para a arte e cultura, além da indústria de charutos, obviamente, com suas tradicionais embalagens. Mas muito do design latino-americano é baseado na ilustração (como no caso dos cartazes cubanos). Conhece-se muito pouco de tipografia, por exemplo. Wollner diz que o designer precisa de intuição, formação técnica e científica. A formação científica nesta área é praticamente inexistente na América Latina.

DesignBrasil – De que modo o Icograda vem apoiando a formação das associações profissionais na América Latina? Que tipo de associações pode filiar-se ao Icograda e que vantagens o Icograda proporciona uma associação profissional filiada?
Ruth Klotzel – O Icograda tem discutido bastante a respeito de colocar sua expertise em gestão à disposição dos grupos de designers interessados em se organizar, porém não existe um mecanismo para incrementar a formação de novas associações. Na verdade, isto depende da necessidade e da mobilização dos grupos locais, seja na América latina, seja em outras regiões. Sendo um Conselho internacional das Associações de Design Gráfico, os principais membros do Icograda, com direitos plenos, são as associações, mas existem outras categorias de filiação: Friends – são designers que filiam-se individualmente. Esta categoria é formada por designers que não são membros de associações locais filiadas ao Icograda,. Geralmente são países que não possuem associações de designers, e isto é muito comum na América Latina; Education Network – é a categoria de filiação dedicada ao ensino. Os membros desta categoria são as Instituições Educativas. O Brasil já tem dois membros nesta categoria; Media Network – é a rede de publicações dedicadas ao design gráfico e Comunicação Visual.

DesignBrasil – O Congresso em Havana, no ano de 2007, terá que objetivos?
Ruth Klotzel – Há um Congresso Mundial a cada dois anos, que coincide com a Assembléia Geral que elege a nova direção do Icograda. O próximo será em Havana, em outubro de 2007. A escolha do local depende de uma série de fatores e é referendada na Assembléia Geral, pelos delegados das associações-membro do Icograda. Na última Assembléia, que ocorreu em outubro de 2005 em Copenhagen, foi escolhida Pequim como sede para o congresso seguinte, em 2009. A escolha de um país tão emblemático da América Latina como sede reflete a curiosidade, o interesse que a região desperta mundialmente. Vai ser uma oportunidade rara, de encontro de designers latino americanos entre si e com o restante da comunidade mundial.

DesignBrasil – O Icograda planeja criar uma Secretaria Geral para a América Latina? Qual seria a importância e o papel desta secretaria?
Ruth Klotzel – O Icograda não tem secretarias regionais. Na verdade, apesar de existir desde 1963, ele ficou muito tempo sem uma sede. Em 2005 é que abrimos um escritório, onde fica a equipe executiva, juntamente com Ice, em Montreal, Canadá. Para o futuro, imagina-se que cada continente deva ter uma secretaria, mas a manutenção de uma equipe de trabalho requer recursos que não existem no momento. O trabalho da diretoria, que é eleita, é voluntário e muitas vezes cada um de nós tem que arcar pelas despesas das próprias viagens. Já procurei por apoios em escolas, companhias aéreas, consulados do Brasil no exterior, etc, mas não consegui. Isto fez com que muitas vezes eu perdesse reuniões de diretoria, que acontecem umas quatro vezes ao ano. Se não conseguimos fazer nem com que um vice-presidente latino-americano participe integralmente dos encontros decisórios, encontrar recursos para manter uma estrutura requer mais esforços ainda. É algo para o futuro.

DesignBrasil – De que modo o Icograda vem estimulando um design gráfico com identidade própria nos países latinos?
Ruth Klotzel – O papel dele não é o de indicar direções, mas a valorização da diversidade cultural pelo Icograda é, em si, um estímulo à valorização das identidades locais. A diretoria do Icograda é composta por pessoas de todos os continentes. No board há dois sul-africanos, dois dinamarqueses, um australiano, um coreano, dois canadenses, um americano, um libanês que mora no Quarar e eu, brasileira. O que há é uma vontade de conhecer e compreender a identidade latino americana, não apenas dentro do Icograda. Acredito na idéia de que a Europa, por exemplo, desiludida com o que resultou de seu modelo de desenvolvimento, busca conhecer outras maneiras de ver o mundo. Algumas escolas de design européias mandam seus alunos a campo, para o Brasil, Peru, países da África. Isto é mais um sinal de que as portas estão abertas e temos que nos movimentar rapidamente para não perder o bonde.

DesignBrasil – Você tem mais de 20 anos de atuação como designer. Como você analisa a repercussão no seu trabalho proporcionado pela informatização e toda a sorte das novas tecnologias?
Ruth Klotzel – É incrível o que os avanços tecnológicos proporcionaram de facilidade no trabalho, para quem passou pela produção manual, como eu. Sou da época em que se tinha que imaginar o resultado, sem nenhum preview. Batíamos o texto à máquina, um motoboy recolhia o original com marcações de texto, voltava com uma prova xerox, testávamos, o motoboy pegava de volta, até trazer um texto final em papel fotográfico para fazermos o paste-up, colocarmos overlays com marcações de cor, máscaras, etc, e aí vermos a prova de prelo. O fax já apareceu como uma evolução absurda, imagine o computador de uso pessoal! E isso tudo aconteceu em 20 e poucos anos. Foi um privilégio muito grande ter vivido essas duas fases. Vejo problemas nas novas gerações de designers no que diz respeito à concepção, pois em geral já saem trabalhando sem pensar, sem conceituar. O computador ajuda tanto na execução, que muitas vezes o trabalho já começa parecendo acabado. M alguns clientes acreditam que tudo ficou fácil e muitas vezes desvalorizam o trabalho, buscam investir menos em projeto, sem entender exatamente qual o valor do design. Também há sérios problemas de produção, edição de imagem e cor, pois o que se vê na tela às vezes não é nem parecido com o resultado final. É necessário dar atenção às especificidades de cada técnica de reprodução, conhecer produção, para fazer um trabalho de qualidade. Levo meus alunos, sempre que possível, para gráficas e outros fornecedores de serviços complementares aos nossos. Outra coisa incrível dos avanços tecnológicos é a facilidade de comunicação. Converso todos os dias com pessoas de vários continentes pela internet. Nem sei como o Icograda funcionava antes dessas facilidades. Sem nos conhecemos pessoalmente e eu estou dando esta entrevista. Acho isso tudo muito fascinante.